quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

LEMBRANÇAS E RELATOS DE UM VETERANO DO 1º GRUPO DE CAÇA - Parte 11



ÁGUA DULCE – PANAMÁ

Em 5 de abril de 1944, o grupo deixa Albrook Field, viajando num comboio de caminhões com destino à Água Dulce. Reunidos ali, formando um todo, chegaram os últimos contingentes. A base de Água Dulce ficava no lugarejo do mesmo nome, perto do Golfo de Parita a 15 milhas de Oceano Pacífico.

Nossos alojamentos eram de madeira, bem confortáveis, em plena selva paramenha; todo entelado para evitar a entrada de mosquito portadores de malária que infestava a região. Relevo e clima semelhantes ao do Nordeste brasileiro. Ondulações montanhosas da era terciária, com vários picos vulcânicos, dos quais o mais elevado é o Pico de Chiriqui, com 3.478m de altitude. A vegetação basicamente caracterizada pela floresta tropical. Muita poeira e um vento constante, que soprava do lado do Pacífico.

Dia 6 de abril de 1944, começou a instrução aérea com os americanos e a 15 do mesmo mês o grupo recebeu a visita do General George Brett, chefe do comando da Defesa do Mar das Antilhas, que felicitou os picotos brasileiros pelo brilhantismo com a que vinham completando seu treinamento. Nossos pilotos davam verdadeiros shows, deixando os gringos de boca aberta. Como é natural, vez que o avião e a arte de voar são uma predestinação histórica do brasileiro. Acresce, também, que o P-40 não era nenhuma novidade para muitos dos nossos pilotos e mecânicos que serviam no Nordeste. Além de tudo, estava em jogo o orgulho nacional.

Em Água Dulce o Grupo reforçou seu espírito de corpo. Foi um período de muita criatividade. Cada um queria ser mais eficiente, fazendo mais e melhor. Ali passamos a nos conhecer mutuamente pela troca de amizade e repartindo experiência.

Tudo funcionou coordenadamente: rancho, posto médico, tesouraria, transporte e abastecimento. Na pista os mecânicos em aviões, comunicações e armamentos se esforçavam ao máximo, executando todos os trabalhos com grandes entusiasmos. Era uma unidade de combate que estava sendo composta. Após um dia de trabalhos exaustivos na pista, ao sol, era um prazer tomar um banho quase de ducha pela abundância de água; excessivamente clorada, provocando grande irritação nos olhos.

A 11 de maio de 1944, recebemos a Bandeira nacional, que nos acompanharia dali em diante até o fim de nossa jornada. Foi um dia de muita alegria e de grande emoção para todos. Tratou-se logo de sua incorporação à tropa, o que foi feito. Aguarda de honra era composta de americanos e de brasileiros. As bandeiras formaram lado a lado. A americana conduzia por um oficial americano e a brasileira pelo tenente Aviador Alberto Martins Torres. A solenidade de incorporação da nossa bandeira contou com a presença de Generais Comandantes da Defesa das Caraíbas e da 6ª Força Aérea Norte-Americana, estando presente o Tenente-Coronel Aboim, Adido Aeronáutico do Panamá. Ouvimos os hinos; primeiro o americano e em seguida o brasileiro.

Deu-se início ao desfile, à frente vinha a banda da 6ª Força Aérea Americana. O Pavilhão desfilou glorioso e o nosso Comandante se externou com grande patriotismo e vibração cívica. Como confirmação dos propósitos brasileiros que nos impulsionam, temos hoje a suprema alegria de receber em nossa unidade a bandeira do Brasil. Assim, no coração da America Central, a formosa Bandeira de nossa Pátria, confundindo suas dobras com as da sua irmã norte-americana, proclamava ao mundo a união do continente e o comum propósito de tudo sacrificarem para que a paz volte a reinar na superfície da Terra.

No dia 17 de maio de 1944, os americanos nos entregaram a base, com todo material e 25 aviões P-40. Muitos em pane; porém dentro de poucos dias colocamos todos disponíveis e em linha de vôo. O treinamento na base de Água Dulce na Zona do Canal do Panamá, foi longo, intensivo e completo, ficando a cargo do Coronel Gabriel Taylor Disosway, o qual era muito exigente; os nossos pilotos conheceram sua disciplina rígida, mas, na verdade, o que ele queria de todos era um alto padrão de eficiência. Por fim, tornou-se um grande amigo dos brasileiros.


Em 18 de maio de 1944 o luto cobriu toda a unidade em conseqüência do falecimento do 2º Tenente Aviador Dante Isidoro Gastaldoni. Rapaz novo, ótimo piloto. A causa do acidente não foi possível ser determinada. Sem motivo aparente, o avião mergulhou para o solo e desceu veloz até espatifar-se. Talvez fadiga provocada pelo ritmo intenso de trabalho. O seu corpo foi encontrado entre as cidades de Santiago e San Francisco, perto da Costa Rica e sepultado no cemitério de Curuzal, na cidade do Panamá, com todas as honras militares, estando presentes oficiais e graduados. Foi um dia muito triste.

A seu respeito assim se externou o Comandante do Grupo, exprimindo um sentimento geral: jovem e dedicado piloto, que voluntariamente atende ao chamado da Pátria, para defendê-la nos teatros de combate e honrá-la onde se fizer mister, há razões sobejas para o lamentarmos triste acontecimento.

Nascido em data de 23 de novembro de 1923, em Porto Alegre, RS.

Treinamento: Dante Isidoro Gastaldoni sempre foi o primeiro aluno de turma, tanto antes como no colégio militar. Era um piloto exemplar, assim como um atleta exemplar, sempre liderando em todas as suas atividades. Foi voluntário para o 1º grupo de caça, tendo chegado a Água Dulce, Panamá, em meados do mês de fevereiro de 44. Seus instrutores americanos só tinham elogios quando à capacidade de vôo deste jovem piloto. Em 18 de maio de 1944, formou com uma esquadrilha de treinamento liderada por um instrutor americano. Entraram num manobra que nós chamávamos de cobrinha, cada um seguindo as manobras do líder. Numa dessas manobras, niguem sabe o que realmente aconteceu, o avião do Gastaldoni entrou em parafuso que o piloto não conseguiu recuperar e o avião chocou-se no solo perto da cidade de Colozal, tendo Gasdaltoni morte instantânea. Foi a primeira perda do 1º grupo de caça. Anos depois, seus restos mortais foram transladados para o Brasil, onde hoje repousam no monumento dos Pracinhas, no Rio de Janeiro – RJ. Post-mortem foi promovido a 1º Tenente e condecorado coma medalha cruz de sangue.

Família: Filho de Francisco Isidoro Gastaldoni eAlbertina Schultz Gastaldoni, tendo um único irmão, também piloto da FAB. Brigadeiro Ivo Gastaldoni, que durante o período de guerra, foi elogiado por ter afundado um submarino alemão nas costas do Brasil.

Os pilotos ficavam numa barraca de lona a pouca distância dos aviões; na outra extremidade, a dos mecânicos. Era o serviço de alerta. Um radar, funcionando H mais de 24 horas. Em dado momento quando algo aparecia na tela do radar, uma sirene era acionada. Os pilotos corriam à toda velocidade para guarnecer os aviões. Os mecânicos que não conduziam pára-quedas deveriam chegar primeiro ao avião e preparar a partida, injetando um pouco de gasolina nos cilindros do motor por meio de um injetro que ficava do lado esquerdo da nacele. O piloto entrava no avião, acelerava o estarter com o pé, enquanto ligava o fio do rádio e conectava a traqueia de oxigênio à mascara; o mecânico o ajudava colocando sobre seus ombros o suspensório, que era afivelado com o cinto. Dava partida, taxiava para a pista, decolavam e tinham poucos segundos para entrar em formação; interceptar inimigos fictícios que vinham de bases vizinhas com os quais entravam em combate aéreo simulado. Eram lutas escarniçadas em que se temperava a fibra de verdadeiros pilotos de guerra. Isto nos deixava com nervos à flor da pele. Os pilotos que não sabiam que iam encontrar lá em cima; um inimigo fictício ou verdadeiro e os mecânicos, pelo risco de um bombardeio aéreo, como aconteceu algumas vezes sermos atacados por aviões que vinham de surpresa, fazendo vôos rasantes de ataques simulados.

Os americanos nos falavam muito sobre as atrocidades praticadas pelos japoneses no Pacífico. Era todo tempo; jepe, jepe... deixavam-nos apreensivos; sabíamos que era um pouco remota a possibilidade de ataque japonês. Mas, um dia, passei um grande susto: acordei com enorme barulho. Ouvia sinos repicando, apitos, automóveis buzinando, alguma coisa estava acontecendo. Era muito cedo. Levanto e quando olho para fora da barraca, vejo vários americanos correndo. Instintivamente, pensei: é um ataque aéreo, a base está sendo atacada. Acendi as luzes da barraca, acordei os companheiros e com alguns saímos correndo atrás dos americanos que se dirigiam para uma sala onde se encontrava um rádio, funcionando a todo volume. Estava sendo anunciada a invasão da Normandia. O locutor dizia que naquele momento milhares de soldados aliados estavam morrendo no desembarque. Notavam-se preocupação e tristeza nos semblantes de todos.

Jamais esquecerei daquele dia Dia D, hora H, minutos M, expressões comuns na técnica de planejamento. Mas, o dia 6 de junho de 1944, ao ser fixado como o dia D da operação Overlord, a invasão da Fortaleza Europa de Hitler, marcou para sempre a alma dos povos livres, o Dia da Libertação.

Em 19 de maio de 1944, terminou nossa instrução, passamos nossas incumbências aos americanos devolvendo-lhes a base e os aviões. No dia seguinte, os americanos nos deram pronto para entrar em combate e seguirmos para over sea.

Houve uma solenidade muito bonita. Contamos com a presença do nosso Ministro da Aeronáutica, Dr. Joaquim Pedro Salgado Filho e autoridades americanos.

Os tenentes José Carlos de Miranda Correia Neto e Alberto Martins Torres, foram condecorados com a medalha de Distinção da Aviação Militar dos Estados Unidos, por terem afundado um submarino alemão em águas brasileiras, em julho de 1943.

Os oficiais receberam diplomas de piloto de guerra e brevetes americanos.

Uma formatura aérea e terrestre encerrou as festividades. Um grande party comemorativo fora oferecido à tropa.

No dia 22 de maio de 1944, foi dado o toque de alvorada às 03:30 horas e o nosso comboio composto de 25 caminhões, partia de água Dulce às 06:00 horas de regresso a Albrook Field, onde chegou às 12:00 horas do mesmo dia.

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