domingo, 28 de fevereiro de 2010

LEMBRANÇAS E RELATOS DE UM VETERANO DO 1º GRUPO DE CAÇA - Parte 18


AS BRUXAS ES ESTAVAM SOLTAS
O dia 16 de novembro de 1944 foi cheio de imprevistos e acontecimentos tristes; como costumamos dizer na gíria aeronáutica, as bruxas estavam soltas.
Por volta das 10h mais ou menos caiu nas proximidades da base de operações em Tarquínia, m Ventura da RAF e morreram seis ingleses. Logo após a noticia da queda do Ventura, examinava os pneus do meu avião quanto a possível corte, que acontecia durante o pouso na pista de chapa de aço. Examinei uma roda e passei para a outra. O avião estava sendo municiado para a missão seguinte. Enormes fitas de balas ponto 50 eram alojadas nos cofres de munição. Completando o trabalho de municiamento, o ajudante de armamento baixa a tampa da metralhadora, sem verificar se a bateria estava desligada. Não sei como isso aconteceu. A verdade é que a metralhadora disparou. As balas passavam sobre a minha cabeça. Numa simples rajada, em questões de segundos, foi embora uma fita inteira. Nesse momento, recebi uma violenta pancada na região da fossa ilíaca esquerda. Não sei se a pancada foi provocada por um estojo da ponto 50, ou por um dos elos de aço que ligam as balas, uma a outra.
Estava com três calças, uma por cima da outra, sendo que a ultima era de couro, forrada com lã de carneiro, por dentro. Botei as duas mãos no ventre e rolei no chão gemendo de dor e disse para os meus companheiros: estou ferido! O 1 Sargento Gondim, chefe da linha, colocou-me num jeep e disparou para a enfermaria. A carreira foi tão grande que a capota do jeep voou; agora só estava com medo de uma virada. Na enfermaria, examinado pelo médico, no local da pancada formou-se um grande hematoma roxo. O médico mandou que fosse repousar na barraca.
No mesmo dia, isto é, 16 de novembro de 1944, precisamente às 16h10 outro desastre de grandes proporções. Um C-47 americano decolou com a finalidade de filmar uma esquadrilha do 1 Grupo de Caça durante o vôo. Devidamente autorizados embarcaram no referido avião dois oficiais brasileiros que desejavam tirar fotografias particulares.
O procedimento para a filmagem fora combinado em terra. Entretanto, o piloto do Douglas numa manobra infeliz bateu na asa direita do avião do Tenente Perdigão.
O baque foi forte e os dois aviões se despedaçaram, a caminho da destruição e da morte. O Tenente Perdigão, graças a sua perícia de grande piloto, lançou-se de pára-quedas e conseguiu salvar-se. Mas os correspondentes e fotógrafos e os Tenentes Rooland Rlttmeister e Waldir Pequeno Mello, todos ocupantes que viajavam no Douglas, morreram carbonizados.
À tardinha, dirijo-me para o rancho e antes sinto necessidade de urinar e no ato da micção, verifico a saída de alguns raios de sangue e a perna esquerda um pouco dormente.
Procurando o médico para contar o ocorrido. Este determina que eu seja baixado ao hospital e uma ambulância é providenciada para meu transporte.
Chegando ao 154 Station Hospital em Civitavecchia, a primeira pessoa que avisto foi o Tenente Perdigão. Este pergunta: sargento, soube de alguma coisa do Douglas? Quando eu ia dizer-lhe que morreram todos, um médico brasileiro por detrás dele, fez um sinal com o dedo para mim, e compreendi que era para não dizer nada, pois ele havia sido operado da perna.
O hospital estava cheio. É horrível um hospital de guerra. Fiquei na enfermaria de oficiais por falta de lugar. Lá encontrei o Tenente-Aviador Cox, internado com um problema na espinha, um suboficial que fora atacado de pneumonia e o sargento Fernando Azevedo que havia sido operado da perna.
O tratamento era igual para todos; o que distinguia o oficial do graduado era a cor do pijama e um chambre de uma fazenda grossa, que colocávamos por cima do pijama devido ao frio e para nos agasalharmos melhor.
Fui submetido a um tratamento na base da sulfonamida. Nossas enfermeiras nos tratavam como a um irmão. Todos os cuidados nos eram dispensados. Anjos de ternura. Já restabelecido, fui examinado pelo Dr. Luthero Vargas e este notando que eu tinha uma varicocele esquerda muito adiantada, convenceu-me a operar. Disse-me: aproveite já que está aqui e operemos logo esta varicocele. Dr. Luthero era grande cirurgião. Não vacilei, dada a confiança que ele nos inspirava.
Operou-me por um processo que era muito moderno; técnica de varicocele transbdominal de Ivenessevich.
Durante o tempo que estive baixado, tive um tratamento excepcional da parte dos médicos e de nossas enfermeiras.
Aquela meia dúzia de enfermeiras, já experimentadas na profissão, que tiveram a coragem de abandonar a comodidade e a segurança dos lares para enfrentar conosco os imprevistos da guerra, assim se tornando credoras de respeito e admiração.
A mulher tem realmente desempenhado com bravura ao lado dos homens, papel relevante nas lutas armadas que se têm desenrolado no mundo. Uma Joana D´Arc, uma Anita Garibaldi, uma Joana Angélica, aparecem comumente em todas as guerras.
Na conflagração européia, as mulheres mais uma vez confirmaram seu desinteresse de viver, desde que não seja com bravura, honra e altivez, enfrentando toda sorte do horrores causados pela hecatombe que devastou a Europa.
Exemplos de bravura, de abnegação, amor à pátria e ao próximo, foram demonstrados pelas nossas enfermeiras, de modo geral, as do Exército e, em particular, as do 1 Grupo de Caça, às quais rendo meu preito de gratidão e reconhecimento.






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