segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

LEMBRANÇAS E RELATOS DE UM VETERANO DO 1º GRUPO DE CAÇA - Parte 14


EMBARQUE PARA A EUROPA – ROTEIRO DO DIA A DIA
Nossa permanência no campo de embarque, em Patrick Henry, durou precisamente oito dias. Chegamos numa segunda feira, dia 11 e saímos dia 19 de setembro de 1944.
Era um campo de estacionamento provisório destinado a receber tropas que iam de viagem. Centenas ou milhares de homens passavam por ali e ficavam isolados do resto do mundo exterior alguns dias antes de embarcarem com finalidade de despistarem a espionagem.
Desde o dia da nossa chegada estávamos certos de que íamos seguir para frente de batalha na Europa. Mas não sabíamos em que parte, Itália ou França. Por motivos de ordem militar não se divulgava o destino com a mesma rapidez com que se faz a movimentação das tropas. Acreditamos que somente o Comandante do Grupo sabia o nome do porto de nosso desembarque. Durante o tempo que ali ficamos nos alojamos em barracas do tipo padronizadas, já conhecidas noutras bases.
Passamos aqueles dias dedicados ao completo lazer, nenhuma atividade fora exercida. O Campo se assemelhava a uma grande cidade, com serviço de iluminação, grandes lavanderias, armazéns, restaurantes, cinemas, capelas, teatros, bibliotecas, igrejas e um eficiente serviço de transporte interno. Avenidas paralelas, designadas pelas primeiras letras do alfabeto e ruas transversais numeradas, uma enorme quantidade de pinheiros dava aspecto de uma grande floresta, era uma região muito bonita.
Dois dias após nossa chegada, nos foi oferecido um baile. As virginianas eram muito agradáveis. O baile esteve animado, terminando às 23 horas.

Dia 18 de setembro, foi feita a última inspeção de saúde. A bagagem foi inspecionada e etiquetada. A ligação do campo com o porto era feita por via - férrea.
Em 19 de setembro, completamos dois meses e quinze dias nos Estados Unidos, data em que deixamos Patrick Henry, tomando um trem às 16 horas na estação do próprio campo. Marchamos até o trem em passo ordinário atrás duma tropa americana tendo à frente uma banda marcial que rompeu o deslocamento com um lindo dobrado cujo nome não me é possível rememorar. Durante o embarque, encontrava-se na estação uma orquestra de baile em cima de um caminhão, Tocaram a Aquarela do Brasil e alguns foxs.
O moral da tropa era elevadíssimo, todos alegres e sorridentes acompanhavam o ritmo da música. O Trem deu partida às 17h45 de Patrick Henry, chegando a Newsport às 18h30. Nos encaminhamos para uma prancha de embarque, acompanhando um esquadrão de bombardeio pesado americano , enfermeiras da Cruz Vermelha, uma unidade de representação teatral e um batalhão de artilharia de soldados negros.
Uma vez a bordo, ficamos a vontade e alguns se dispuseram a dormir um pouco. Ás 7h do dia 20 de setembro, o U.S.T. Colombie levantou ferros e começou a se movimentar, saindo lentamente sob uma forte cerração, levando a bordo sua preciosa carga de 3.500 homens, aproximadamente. O Colombie era um navio de transporte francês arrendado pelo exército americano. Os nossos alojamentos ficavam nos porões do navio. Os oficiais, mais felizes, compartilhavam um grande alojamento, 120 camas, superpostas 4 a 4. Ao largo da costa aguardavam os navios de guerra que formariam nossa escolha.

Finalmente avistamos todo o comboio, treze navios, onze contratorpedeiros de escolta, além o mar alto, povoado de submarinos. Quanto à alimentação, consistia de apenas duas por dia, porque o espaço a bordo não permitia servir uma a mais tropa, conforme é costume em terra, devido também a grande quantidade de homens embarcados.
Andávamos pelo tombadilho do navio e tínhamos poucos comentários a fazer. Alguns estavam sob uma emoção natural. Apenas ansiedade e saudade. De um lado era a viagem, a luta que nos aguardava, do outro a lembrança da família, as recordações de casa e de todas as jornadas anteriores. Tínhamos constantemente exercícios de salvamento, sendo obrigatório o uso do salva vida, devendo dormir uniformizado.
Dia 23 de setembro, dia de sol e mar calmo, missa a bordo celebrada pelo capelão da tropa. Aviões Martin com base em Bermuda patrulhavam nosso comboio.
Dia 27 de setembro, completamos sete meses que deixamos o Brasil em missão do 1º Grupo de Caça. Omar estava calmo de puro azul com pequenas nuvens brancas. Estávamos nas imediações dos Açores. O navio fez exercício de tiro real. Aumentava a seqüência dos exercícios por estarmos em regiões mais perigosas.
Dia 1 de outubro, num domingo, uma linda manhã de sol, avistamos o estreito de Gibraltar e às 10h do mesmo dia a famosa fortaleza de formato de uma pirâmide de uns 100 metros de altura, aproximadamente.
Às 11h ainda do mesmo dia entramos no Mar Mediterrâneo. Nessa ocasião recebemos uma carta do Presidente dos Estados Unidos da América, que fora distribuída a todos os americanos, e também aos brasileiros. Dizia a referida carta:
" A Casa Branca
Washington
Aos membros das Forças Expedicionárias do Exército dos Estados Unidos. Você é um soldado do Exército dos Estados Unidos.
Vem embarcando para lugares distantes onde esta guerra está sendo deflagrada.
Do resultado irá depender a liberdade para a vida de todos: a liberdade para a vida daqueles que você ama, dos seus compatriotas e do seu povo.
Nunca os inimigos da liberdade foram mais tiranos, mais arrogantes, mais brutais.
Este povo é temente a Deus, altivo, corajoso, povo que em toda a sua história tem posto sua liberdade sob proteção de Deus, antes de quaisquer outros propósitos.
Nós que ficamos em casa, temos nossos deveres a cumprir, deveres com você em muitos lugares. Você será protegido por toda a força e poderio desta Nação.
A vitória que você alcançar será uma vitória de todo o povo, comum a todos nós.
Você leva consigo a esperança, a confiança, o reconhecimento e as preces de sua família, de seus compatriotas e de seu Presidente. "
Franklin D. Roosevelt
Aquela carta proporcionou-me uma forte emoção. Imediatamente transportou-me para minha terra e minha gente. Estava certo de que o nosso povo também acompanhava os nossos passos com igual sentimento. Sabia que minha querida mãe, aquela hora estava a chorar e a pedir a Deus sua proteção para mim.
Dia 3 de outubro, o comboio mudou completamente de rumo, seguindo em direção a Nápoles, nosso destino. Às 23h passamos pela costa da Sicília, perto da cidade de Palermo, daí entramos no Mar Tirreno.
Dia 4 de outubro, às 7h avistamos terras do continente italiano e às 10h entramos na baía de Nápoles. À direita, na estrada da baía, está o Vesúvio com sua cratera fumegando um pouco.
Ver Nápoles e morrer era uma expressão corrente para glorificar a pitoresca belaza da grande cidade italiana, mas nos presentes dias, nada poderia ser visto naquela cidade, pelo estado em que se encontrava seu porto, terrivelmente bombardeado. E além do mais "Vedere Napoli dopo Morire", o dito popular soa sem graça aos ouvidos de quem vai para a guerra.
Dia 5 de Outubro, amanheceu chovendo muito, mar revolto. Nosso navio levantou ferros às 15h30, deixando a babía, navegando e não sabíamos para onde, porém os boatos diziam que íamos para Livorno, a 28 quilômetros das linhas de combate. Íamos comboiados por um destróier inglês.
Dia 6 de outubro, avistamos Livorno às 14h40 e entramos no porto às 12h, entre dois quebra-mares com dezenas de navios destroçados dificultando a atracação.
Após o desembarque da tropa preta americana, deu-se o nosso, deixamos a embarcação, usando uma rede de desembarque no costado do navio e embarcando numa chata, que nos conduziu até à praia. Encontravam-se vários cinegrafistas documentando nosso desembarque. O porto e a cidade estavam completamente destruídos. Pouco restara daquela que um dia fora uma cidade moderna, muito conhecida como centro balneário e residencial e principal portão da região.
Embarcamos em caminhões, passamos pelas ruas, observamos apenas escombros e destruições.
Tivemos contato com um povo faminto e apavorado pelo terror criado pelos alemães. Às 19h do mesmo dia embarcamos num trem desconfortável, com bancos de madeira, parecendo mais um bonde, pois, tinha até estribo e balaústre. Viajamos toda à noite praticamente sem dormir, pelo frio, desconforto total e com a roupa completamente molhada em conseqüência da chuva por ocasião do desembarque.
Após 12h30 de viagem, chegamos ao nosso destino às 7h da manhã. Numa pequena estação de nome Oscita, nas imediações de Tarquínia, em cujo campo de aviação iria operar. Aquela região fora anteriormente uma base aérea italiana, mas intacta só se aproveitava a pista de pouso e decolagem, ao redor somente ruínas de hangares e instalações, resultantes dos últimos bombardeios aliados.
Uma área de um terreno plano foi posta à nossa disposição e ali levantamos nossos acampamento, que contou com a boa vontade e o espírito de criatividade de todos os componentes do Grupo.
Um pouco mais adiante, estavam estacionados ao aviões: dois Grupos americanos e um Wing britânicos, e o nossos P-47 cheirando a novos e pintados com as cores do Brasil.
























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