domingo, 25 de abril de 2010

LEMBRANÇAS E RELATOS DE UM VETERANO DO 1º GRUPO DE CAÇA - Parte 24


PILOTOS QUE FIZERAM POUSO FORÇADO EM BASE ALIADA

1º Tenente Aviador – Rui Barbosa Moreira Lima – Pertencia à esquadrilha Verde. Dia 11 de março de 1945 decolaram duas esquadrilhas, a verde e a vermelha sob o comando do Capitão Newton Lagares Silva com finalidade de bombardear a já muito conhecida ponte ferroviária de Casarsa. A referida ponte estava situada numa área muito bem fortificada, contando com uma eficiente artilharia antiaérea alemã.

As esquadrilhas chegaram à Casarca na hora estabelecida segundo ordem de missão.

Inicia-se o bombardeio da ponte, tendo em vista sua destruição. Mergulha o Comandante das esquadrilhas Capitão Lagares, que é seguido pelo Tenente Roberto Tormim. No momento em que o 3º elemento, Tenente Rui iniciava o mergulho, descobriu uma bateria de 88 alemã, localizada a uns 200 metros da ponte.

O tenente Rui avisou pelo rádio Jambock Verde de Jambock 3, localizei uma bateria. Vou atacá-la antes de lançar minhas bombas. Boa Sorte, replicou Lagares.

Como era de esperar, foi recebido festivamente, não somente pela bateria que estava atacando, como também por outras armas de baixo calibre, cuja defesa acionou ainda os seus terríveis canhões antiaéreos de 40 e 20 milímetros.

Na recuperação, quando estava a uns 3.000 pés, o motor do avião D-4 foi atingido, danificando dois cilindros. O motor começou a pegar fogo. Avisou ao Comandante o que estava se passando. Jambock Verde foi atingido, o avião está pegando fogo, vou continuar o ataque sobre a bateria e saltar de pára-quedas em seguida.

Transmitiu sua mensagem, Jambock Verde, estou com fogo a bordo, vou agora lançar minhas bombas sobre a ponte entregando-as a domicílio usando essa gíria e depois saltei.

Por sorte, no momento em que sobrevoava o alvo, estava parado sobre a ponte, um trem alemão. As bombas dos setes aviões que me antecederam, pegaram a área do alvo, mas não atingiram o objetivo. Como fui fazer entrega das bombas à domicílio acertei em cheio. O trem era um transporte de munição. Uma festa Pirotécnica. A explosão das duas bombas de 500 libras do meu D-4 miisturaram-se com as explosões do trem.

Cumprira a missão, com a destruição da ponte. Transmitiu nova mensagem. Jambock verde é o Jambock 3, vou saltar, a visibilidade é zero. Pois além do fogo, há óleo sobre o pára-brisa cobrindo também o Canopy e fumaça na nacele. Acionou o motor, levantou o nariz do avião, e quando estava à altura de 8.000 pés, se preparou para saltar.

Naquele instante ouvi a voz calma do Lagares. Não vai saltar coisa nenhuma, o fogo antiaéreo te pegará durante a queda, toma o rumo 150 que te avisarei quando deves saltar. É uma ordem, não salta agora há flak demais em torno do teu avião, estão te caçando, é besteira saltar agora. Outras vozes chegaram aos meus ouvidos. Não salta arataca. A solidariedade dos companheiros e a voz experiente de Lagares, clarearam minha cabeça. Está bem. Leva-me para outro local mais seguro. Vou na reta, sempre subindo, seguindo as instruções de Lagares. Não via nada de fora. Era um Vôo por instrumentos. Atendendo ao Comando de Lagares, com aquela boa cabeça que deus lhe deu, fui guiando rumo a Forli, uma base de Bombardeiros Poloneses da RAF. Quando estava a mais de um minuto da cabeceira da pista, em altura conveniente, Lagares disse-me, que eu estava alinhado com a pista, devendo cortar o motor à sua ordem.

Aí entrou São Tomé. Quis conferir. Pus os óculos de vôo, abri o canopy e estiquei o pescoço para fora. Num gesto lusitano tirei os óculos e insisti. Desta vez paguei caro. A vista esquerda foi atingida, pelo óleo quente. Já estava quase no chão. A oredem para cortar o motor veio rápida. fazê-lo deslizar sobre a pista, foi questão de um piscar de olho. Fiz uma aterrissagem sem rodas, pois tanto eu quanto Lagares, não queríamos correr o risco de varar a pista com o perigo de uma possível explosão.

O avião correu o suficiente para parar a uns dez metros do seu final. Depois daquele barulho infernal da lataria deslizando sobre uma pista de emergência feita de grades de ferro. Deixei o avião as carreiras. Ainda havia o perigo de uma explosão. Afastei-me o quanto pude. Sentei-me sobre o pára-quedas a uns 100 metros tremendo mesmo, a vista esquerda no escuro, aguardando o socorro que vinha representado por um carro contra incêndio, uma ambulância e um jipão. Quem me descobriu primeiro foi o jipão. Sobre o capô do mesmo vinha sentado um oficial da RAF. Loiro, alto mais ou menos 1,80m, perguntou, Brasileiro?. Caí das nuvens de alegria e não imaginava que naquela altura dos acontecimentos fosse encontrar um inglês da RAF falando português.

O médico polonês que me atendeu foi gentilíssimo e eficiente. Ali mesmo fez a faxina no olho esquerdo. Com um chumaço de algodão molhado em líquido amarelo, limpo-me a vista. Doeu para burro. Antes que eu visse qualquer coisa, pôs-se um tampão no olho esquerdo.

Um B 25 pilotado pelo Major Marcílio Gibson, me recambiou para minha base em Pisa.

Por causa dessa missão, o Governo Americano conferiu-me uma medalha de guerra a DFC – Distingshed Flying Cross – que corresponde à Cruz de Bravura no Brasil. O Tenente Rui realizou 94 missões de guerra.






O 2º Tenente Av. ES. Conv. Alberto Martins Torres, regressava de uma missão no vale do Pó, em condições do mau tempo. Vínhamos no colo do controle do radar de terra que nos guiava por dentro das nuvens em vôo por instrumentos, em Esquadrilha. Comandava Capitão Lafayete co Keller de número dois, eu de três e o Mocelin de número quatro. O Vôo era penoso, pois havia alguma turbulência. Em dado momento começaram a espocar, dentro das nuvens salvas de 88 de algumas baterias antiaéreas alemãs já então reguladas pelo radar. Numa das ações evasivas executadas pela esquadrilha, sobrou em ala, o Mocelin. Perdeu-nos de vista dentro do espaço caldo cinza da nuvem e prosseguiu por conta própria, guiado pelo radar de terra. Numa outra guindada mais brusca sobrei eu. Pela direção que me indicou deduzi que já iniciava a travessia do maciço dos Apeninos. Voava tranquilamente a uns quinze mil pés dentro do denso colchão de nuvens. Tudo em ordem e funcionando bem. Só a gasolina é que não era muita. Um pouco preocupado com a gasolina, resolvi comunicar-me com COOLER – código da estação de radar de terra, para averiguar sobre a distância a que eu estaria da base. Tentei inutilmente, silêncio total. Tive uma estranha sensação de desamparo. Passei para outros canais do transceptor VHF e nada. Conclusão simples e incômoda, pifara o meu único meio de comunicação com terra. Calculava a gasolina para mais ou menos méis hora de Vôo. Como já nesta altura, a gasolina era pouca, precisava tomar decisões urgentes. Mentalmente procurei reconstituir os rumos que nos haviam sido determinados pelo controle de terra, para deduzir minha posição aproximada. Cálculos de orelhada, nada confiáveis. Pela última proa e pela altitude sabia apenas que deveria estar atravessando os Apeninos em direção ao sul. Calculava a gasolina para mais ou menos meia hora de Vôo. Resolvi, mais dez minutos no rumo sul para aumentar as chances de já ter transporto a serra, depois rumo oeste, para a direita, em direção ao litoral de Livorno, descendo, e logo que furasse o colchão, já sobre o mar, meia volta volver e procurar chegar a Pisa que fica próxima ao litorial.

O Plano tinha como pontos principais, primeiro descer sobre a água sem perigo de colisão com os morros, pois não sabia qual o teto e segundo, caso acabasse a gasolina antes de alcançar o litoral seria mais fácil pousar de pago na água e me safar no bote salva vidas inflável que lavávamos no assento do pára quedas. Assim fiz. Os dez minutos no rumo sul pareciam não passar, enquanto me atormentavam as dúvidas da transposição dos Apeninos e da marcação do combustível. Afinal guinei para a direita tomando a proa oeste, rumo ao mar? Será... fui interrompido nestas aflitivas conjecturas por um valor mais contundente que se alevantavam, começou a piscar aquela luz vermelha no painel, conhecida como olho da bruxa, que indicava ao piloto dever esgotar-se o combustível num prazo aproximado de quinze minutos! Estaria neste momento ainda a uns três mil metros, descendo para oeste. Não havia mais escolha, precisava passar para debaixo do colchão para poder tomar outras decisões. De saída, eu nunca havia saltado de pára quedas e despojar-me naquele espaço cinza sem horizonte, sem céu nem chão, era forte demais para o meu aparelho gástrico.

E ainda mais, aquele negócio de saltar de pára quedas, assim a sangue frio, além de ser muito chato, ainda tinha implicações de ordem sentimental de profundas raízes. Ea graça? E meu P 47 ? Cião bello, que eu fico por aqui...? Tout Court! Que é isto! Pois aquela garça era minha e eu também pertencia a ela com o seu A4 meio desalinhado pintado no capô. Além do mais, aquele P 47 me levava e trazia, inteiro, das missões, mesmo quando o acertaram de mau jeito, como aquele dia que pousou em Pisa banhado de óleo que lhe escapava do motor atingido, mais que, até me depositar seguramente na pista, havia continuado pulsando firmemente, sem esmorecer. E depois além daquele A4 ser meu cupinhcha, meu curriola, ele não pertencia só a mim. Ele pertencia ao Sargento Argolo, seu mecânico e seu auxiliar, Cabo Torres e toda a equipe que municiava e dele cuidava. E, como logo perceberia, não era só o A4 que pertencia a eles, era seu também, assim como todos os pilotos pertenciam ás equipes de terra, da mesma forma que a meninada sempre pertencia a toda família e aos seus agregados. Por isso cuidavam com tanto carinho de nós pilotos e dos nossos aviões. As nossas ações e o que acontecesse conosco podia ser motivo de grandes alegrias ou de grandes tristezas para aquela grande família que aguardava sempre ansiosa e preocupada com nosso regresso das missões.

Não pretendo inferir que todas essas considerações se houvessem apresentado analiticamente no momento de decidir o que fazer. Não. Tudo aquilo já estava embutido na gente e representava a nossa verdade. No momento de decisão, parti, forçosamente, das minhas verdades.

Por isso, nada de saltar de pára quedas, nada de rumo sul. Continuar para oeste e como o olho da bruxa não sossega, nariz embaixo para varar esta porcaria destas nuvens o mais depressa possível. Porque esta decisão? Intuição só isso. Uma coisa era certa, a parte mais alta do espinhaço dos Apeninos já havia ficado para trás. Quinhentos quatrocentos o cinza compacto e homogêneo começa a assumir umas sombras escuras. Todo piloto conhece esse sintoma em que está alcançando a base das nuvens.

Apesar da insistência da luz da gasolina, eu já tinha mais calma para avaliar a situação. Aquele rio era, sem dúvida o Arno, o mesmo que passa na porta do Albergo Nettuno em Pisa, nosso alojamento. Estava a caminho de casa. O problema passava a ser bem mais simples, seguir o rio, e rezar para que a gasolina desse para chegar. Eis que surge na margem esquerda uma pista. De bom tamanho e, como o avião estava leve, sem bombas e sem gasolina, não havia o que esperar. Trem embaixo, flap totalmente estendido, reduzir o passo da hélicd, acelerar para manter a velocidade de aproximação, dependurado no motor, uma pequena entortada para alinhar com o eixo da pista e ... terra firme! Surge um jipe quadriculado de amarelo e preto, tradicional Follow me ( siga-me) e me guia para o pátio de estacionamento. Nesta rolagem segui aquele jipe taxiando devagar com as pernas bambas, a ponto de só conseguir controlar os freios com dificuldade.

Era uma base de esquadrões da RAF. Convidaram-me para tomar chá na sala dos pilotos. Contei o que houve. Localizei-me na carta da região. Estava na margem do Rio Arno, a uns quinze minutos de vôo de Pisa, a nossa base. Tive certa dificuldade em convencer os ingleses a abastecer meu avião e a me deixarem seguir caminho para casa. A minha ânsia de volta à base os acabou convencendo de que era inúltil apelar para bom senco de quem de britânico só demonstrava um relativo domínio do idioma. Agradeci a acolhida e pau no burro.

De tanque cheio e sabendo por onde andava, aqueles quinze minutos de vôo rasante até Pisa foram um salutar passeio para sacudir as aflições anteriores. Um cisca confiante naquele meu A4 verde escuro um pouco arranhado e machucado, cujo avestruz arranhado na bochecha esquerda e o verde e amarelo na cauda, os ingleses, como a mim próprio, haviam fitado com um misto de estranheza e de respeito.

BLACK BALL TOWER- JAMBOCK RED THREE-PANCAKE-OVER ROGER JAMBOCK RED THREE – CLEAR TO LAND – BLACK BALL OUT.

Rolei para o estacionamento. Desta vez as pernas estavam firmes. Desafivelei a máscara de oxigênio e exibi a dentadura completa para o Sargento Argolo que estava de pé na asa à meu lado. Junto do avião havia um grupo das equipes dos outros aviões da RED – Alguém gritou e os outros tenente?

O Tenente Torres realizou 99 missões de guerra.

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