domingo, 16 de maio de 2010

LEMBRANÇAS E RELATOS DE UM VETERANO DO 1º GRUPO DE CAÇA - Parte 24


PILOTOS ABATIDOS, APRISIONADOS E REFUGIADOS, QUE EFETUARAM SALTOS DE PÁRA-QUEDAS EM TERRITÓRIOS INIMIGOS E AMIGOS


Quando o piloto tinha seu avião atingido pela bateria antiaérea, que o obrigavam a saltar de pára-quedas, várias coisas poderia acontecer: ser logo aprisionado pelos alemãs, refugiar-se com auxílio dos patriotas italianos, acidentar-se ou perder a vida, durante o salto. Todas essas situações, realmente aconteceram.


O 1º Tenente Aviador Ismael da Motta Paes, foi abatido nas proximidades de Ostiglia, em 23 de dezembro de 1944.


Atingido por metralhadoras em vôo rasante, cruzou o Rio Pó em direção ao sul, tentando regressar, seguido pela esquadrilha; chegou a informar aos seus companheiros de vôo que a pressão de óleo e gasolina caía e que já havia alijado o canopy. Sendo essas suas últimas palavras pelo rádio. Saltou de pára quedas na altura de 1.000 metros e teve a pouca sorte de cair num canal de irrigação, tomando de início um banho gelado. Com muito custo, nadou até uma margem e saiu andando sob olhares de pessoas curiosas, que não auxiliavam, mas não hostilizavam. Como era de se esperar, viu-se cercado de soldados alemães, que o prenderam.


Foi conduzido ao campo de interrogatório de Frankfurt. Nada revelou fora do permitido: o nome, o número e a nacionalidade. De Frankfurt fora levado para o campo de concentração de Stettin, na Prússia, onde permaneceu até março de 1945, quando foi libertado por tropas soviéticas, sendo o último a regressar ao nosso acampamento. Foi abatido em sua 24ª saída ofensiva.


O 1º Tenente Aviador Josino Maia de Assis, teve seu avião atingido pelas baterias antiaéreas no dia 21 de janeiro de 1945, que o obrigou a saltar de pára quedas em território inimigo, na região de Piacenza.


Ao atingir o solo, foi cercado por um grupo de soldados Mongóis, carrancudos e ferozes, metidos em fardas alemães, onde abriram fogo contra ele que estava desarmado e com os braços levantados, na posição clássica e inconfundível dos que se rendem. Os amarelos, entretanto, pareciam não ligar para isso e continuaram atirar, felizmente com péssima pontaria, até que surgiu um oficial alemão que os repreendeu severamente e impediu que se consumasse um crime contra um homem desarmado.


Os amarelos eram soldados da Mongólia. Lutavam metidos em uniformes alemães em troca de comida e roupa. Eram ferozes e cruéis, verdadeiros mercenários da morte. Estavam na frente italiana, batalhando as forças do V e do VIII exércitos aliados. Prisioneiro, o tenente Assis foi mandado para campos de concentração no interior da Alemanha.


No primeiro deles, mas proximidades de Frankfurt,foi submetido a rigoroso interrogatório. Depois, foi transferido para Nuremberg onde permaneceu cerca de um mês em uma stalag, onde o frio era insuportável, não havendo higiene, faltando alimentação. Ali, só resistiam os homens robustos.


Com o avanço das tropas aliadas todos os prisioneiros foram transferidos para outras stalags, mais para o interior da Alemanha. Obrigaram-nos a caminhar a pé, muitas milhas debaixo de chuva, sem alimentação, sob ameaças de guardas da Gestapo e cachorros amestrados para guardas de prisioneiros. Numa dessas caminhadas, encontrou-se com outro oficial do grupo, também prisioneiro, o Tenente aviador Othon Corrêa Netto.


A caminho de Moesburg, perto da fronteira da Suíça sofreram horrores. Muitos dos prisioneiros morreram à míngua ou foram assassinados por impiedosos guardas, que atiravam ao menor gesto de rebeldia ou atraso, nas estafantes caminhadas. Em Moesburg, encontrou-se com oficiais da FEB e com grande número de pracinhas, internados num imenso campo de concentração. Ali o tratamento era melhor que nos outros lugares, graças à internação da Cruz Vermelha Internacional. O tenente Josino Maia de Assis, foi abatido em sua 41ª saída ofensiva.


Capitão Aviador Joel Miranda – Comandante de Esquadrilha, foi abatido a 4 de fevereiro de 1945. Após ter executado um bombardeio avista uma locomotiva correndo a todo vapor, ocasião em que correu para metralhá-la seguido de perto por Danilo. Castel-franco, entroncamento a sudeste de Treviso, temido na época pela concentração de Flak que a defendia. A barragem dos 20 milímetros começou de repente, anuviando por completo o céu, foram ambos atingidos e saltaram simultaneamente, como informou Mocelin, mas só o pára-quedas de Joel chegou a ser visto aberto. Dificilmente escapariam da morte ao cair prisioneiros, porém a guerra é feita de imprevistos, e foragiram-se ambos.


Ao abandonar o avião, em pára-quedas, teve a infelicidade de partir um braço e depois, ao tocar o solo, destroncou um pé. Suas possibilidades de fuga tornaram-se, então, muito reduzidas, tanto mais que, as pessoas a quem encontrou de início , não queriam prestar-lhe auxílios efetivos, limitando-se a indicarem o caminho que deveria seguir. Assim o Capitão mesmo acidentado andou horas e horas sem destino certo até encontrar uma casa onde lhe deram acolhida e roupas civis. Dali saiu horas depois, acompanhado e auxiliado por um soldado sul africano, ex-prisioneiro dos alemães, que havia bastante tempo se encontrava na região, foram assim ter a um grupo de partigiani, que nas vizinhanças de Pádua, os alojou até o fim da guerra.


O braço partido, sem cuidados médicos por muitos dias, gerara complicação, e para salvar o braço, Joel não teve dúvidas, arriscou outra vez a vida. Foi ao hospital alemão, que estava instalado nas adjacências de Pádua, acompanhado por uma valente moça partigiana, ambos disfarçados num casal de pacotes lavradores. E como a primeira radiografia não ficasse boa, voltou outra vez, arriscando a pele, na ânsia de engessar o braço. E conseguiu. Ficou entre os partigiani, até o fim da guerra, trabalhando e contando coisas do Brasil. Conquistou todo mundo e, quando as tropas aliadas libertaram o Norte da Itália, o Capitão Joel foi encontrado gordo, feliz e admirado por todos. O capitão Joel Miranda foi abatido em sua 31ª saída ofensiva.


2º Tenente Aviador da Reserva Convocado Danilo Marques Moura – Abatido em 04 de fevereiro de 1945, com o capitão Joel, a sudeste de Treviso.


O tenente Danilo conseguiu evitar seu aprisionamento numa região fortemente controlada pelos alemães, ficou logo obcecado pela idéia de voltar ao grupo. Saltando de pára-quedas, ao tocar o solo, mordeu a língua. Por maiores esforços que fizesse não conseguia articular a palavra. E isto o salvou de cair prisioneiro dos alemães, embora tivesse permanecido várias semanas em território inimigo, encontrando-se diariamente com tropas de infantaria nazistas.


Ocorre que tão logo conseguiu desembaraçar-se do seu pára-quedas, foi cercado por contadini ( camponeses) italianos que o socorreram e lhe ofereceram roupas, a fim de tratar de escapar dos alemães, que rondavam na proximidades.


Bem alimentado, pôde dormir na casa de um deles, e assim, metido em roupas civis iniciou sua caminhada para o sul.


Encontrou-se, várias vezes com tropas inimigas. Cumprimentava com humildade os oficiais, sargentos e soldados nazistas e quando obrigado a se identificar defendia-se como podia, sempre apontando a língua ferida, que o impedia de falar desembaraçadamente. Fingia-se também afetado pelos bombardeios.


Conseguiu chegar às margens do Rio Pó. Ali encontrou uma barreira praticamente intransponível, poderosas forças alemãs guardavam a região e era impossível a passagem para a outra passagem.


Resolveu então jogar uma grande cartada. Procurou um lenhador italiano e expôs-lhe leal e francamente sua situação. Este resolveu ajudá-lo. Era amigo de um cabo alemão encarregado da guarda do rio, naquele trecho, disse-lhe. Depois de muita conversa, o lenhador convenceu o alemão de deixar passar o rio, sem dizer que se tratava de um oficial aviador brasileiro. Era travessia de mais um stolati (fugido da guerra) rumo ao sul, pedalando uma bicicleta que lhe foi dada pelo lenhador italiano.


O Tenente Danilo continuou a dirigir-se sempre rumo ao sul, à medida que se aproximava dos Apeninos encontrava sempre maior quantidade de tropas inimigas. Chegou ao ponto crítico. Impossível transpor a barreira sem auxílio.


E mais uma vez, o tenente Danilo jogou uma cartada decisiva. Os italianos que haviam encontrado pelo caminho recomendaram a Danilo que jamais confiasse em gente de boa aparência. Procurasse, sempre que necessário gente humilde, de preferência os contadini. Estava meio desesperado e desesperançado de atingir nossas linhas e, ao passar por uma pequena cidade viu na janela de um andar superior, uma senhora de aspecto próspero, que dizia crochet.


Sentiu qualquer coisa que não sabe explicar até hoje. Num ímpeto subiu as escadas e surpreendeu-se a contar, à senhora italiana, a sua odisséia.


A sorte o ajudou e na mesma noite, o marido da bondosa senhora o punha em contato com patriotas italianos escondidos nas proximidades. Os partigiani o ajudaram. E em pouco tempo, conseguia transpor as linhas inimigas, com um magote de verdadeiros stolati, para se identificar a um oficial aliado, mal refeito da surpresa ao encontrar um oficial brasileiro entre os refugiados de guerra.


Não fosse a mordedura providencial de sua língua, talvez tivesse caído prisioneiro e mandado para um campo de concentração. Danilo caminhou 400 quilômetros em 23 dias. Foi abatido na sua 11ª saída ofensiva.


1º Tenente Aviador Roberto Brandini – Atingido por metralhadoras ao norte de Ostiglia. As granadas antiaéreas estouravam com fragor, enegrecendo de fumaça o céu límpido e fazendo o P 47 pilotado pelo tenente Roberto Brandini, já incendiado, estremecesse em toda a sua estrutura naquela manhã do dia 10 de fevereiro de 1945.

Brandini logo percebeu que a situação era insuportável. Seu Thunderbolt não poderia mais se manter no ar. Abriu a capota da nacele e saltou em meio a pavorosas explosões de granadas, ou melhor, dos flaks. Sentiu um impacto violento na cabeça. Perdeu os sentidos e veio descendo, lentamente em meio áquele inferno de ferro e fogo.


Quando voltou a si sentiu dores horrorosas na cabeça e ainda muito confuso, percebeu que estava banhado em sangue. Olhou em volta e verificou algo que fez gelar.


Estava sendo amparado por um saldado alemão, sentado na almofada traseira dum veículo. Num relance, percebeu tudo. Estava prisioneiro e pior, gravemente ferido na cabeça. Um dos estilhaços que voavam em volta do seu avião havia atingido sua cabeça, quando saltara de pára-quedas.


O carro parou. Levaram-no para um dispensário, onde ficou até ao anoitecer, quando uma ambulância o transportou para um hospital de guerra almão, especializado em ferimento de crânio.


No dia seguinte foi operado por equipe de cirurgiões alemães. Foi feita a trepanação no seu crânio e extraído um fragmento de 4 centímetros quadrados.


Permaneceu no hospital por longo tempo, recebendo sempre tratamento humano por parte dos alemães.


Mais tarde, já convalescente, foi levado para um hospital presídio nas proximidades de Verona e de lá para Mantua.


Já restabelecido enviado para um horroroso campo de prisioneiro onde ficou pouco tempo, pois o avanço aliado obrigou sua remoção com outros prisioneiros, para Bolzano nos Alpes, donde foi libertado pelas tropas americanas.


A técnica cirúrgica alemã salvou-o da morte certa e o tenente Brandini recorda-se com gratidão dos cirurgiões e enfermeiras alemães que o trataram com humanidade e devoção durante o tempo em que esteve internado no hospital militar. Foi abatido em sua 28ª missão ofensiva e regressou ao grupo a 8 de maio de 1945.

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