sábado, 3 de abril de 2010

LEMBRANÇAS E RELATOS DE UM VETERANO DO 1º GRUPO DE CAÇA - Parte 21


PESSOAL DE TERRA

Um Grupo de caça em tempo de guerra, em campanha é um corpo sensível. Os homens que voam se cobrem de glórias e morrem jovens.

Os homens em terra vivem muito mais tempo e seu trabalho é de uma experiência sem – fim, e não se podem enganar uma só vez apenas, é possível que morra o piloto.

Deve haver confiança e respeito mútuos, e é o comandante que deve inspirar este equilíbrio delicado e jamais foi rompido durante a campanha. O pessoal de terra do 1º grupo de caça, a grande maioria, oficiais especializados em aviões, armamentos e comunicações, suboficiais e sargentos especialistas, eram aero navegantes e portanto sujeitos ao vôo. Mas, por uma questão de emprego, o avião usado durante a campanha, um caça bombardeiro, era monoplace e por este motivo não podíamos voar. Não atacávamos os ninhos onde se escondiam o inimigo.

Os oficiais especialistas em aviões, armamentos e comunicações, chefes das respectivas manutenções, nossos chefes imediatos, os suboficiais, os sargentos chefes de linha, os sargentos especialistas e nossos soldados ajudantes, trabalhavam talvez mais que os outros reunidos.

Dia e noite, agachados ou trepados em escadas, levávamos horas e horas muitas vezes, num trabalho monótono e difícil, não muito limpo, a fim de manter em forma os motores dos P 47.

Naquele inverno rigoroso, com os membros adormecidos pelo frio intensíssimo, nos lançávamos com vibração, entusiasmo e força de vontade, na faina de substituir peças, testar os motores e mantê-los em perfeito estado técnico, para levantar vôo a qualquer hora.

Conscientes de nossas responsabilidades, éramos escrupulosos nos trabalhos de manutenção dos aviões, armamentos e comunicações. Cada qual se esforçava para que sua esquadrilha e seu avião fossem o melhor. Havia um grande espírito de equipe.

Ninguém mais do que o mecânico sofria quando um P 47 deixava de regressar à base.

O comandante do grupo, Tenente Coronel Nero Moura, não se cansou de elogiar o papel desempenhado pelo pessoal de terra. " Gente dura, incansável, que participava com coração nas missões que os pilotos cumpriam lá em cima sobre o território inimigo".

Excelentíssimo Sr. Tenente Brigadeiro R/R Nelson freire lavanére- Wanderley, então tenente coronel aviador, como oficial de ligação brasileiro junto à força aérea aliada do mediterrâneo, não pertencendo ao efetivo do grupo de caça, mesmo assim, voluntariamente, realizou diversas missões de guerra sendo, portanto, merecedor da nossa admiração e respeito.

Ninguém melhor do que ele para julgar o desempenho do grupo de caça durante a campanha.

No seu excelente livro " História da Força Aérea Brasileira", assim se expressou sobre o pessoal de terra: " Não pode deixar de ser reconhecida a alta qualidade e eficiência, demonstrada por todo o pessoal de terra do Grupo de Caça Brasileiro, o qual, em situações de grande desconforto e sob condições climáticas rigorosas, soube sempre desempenhar a contento a sua missão, concorrendo grandemente para o sucesso obtido nas operações aéreas e para o ótimo conceito que o grupo de caça sempre gozou no meio das demais forças aliadas.

Os pilotos, reconhecidamente, nunca se esqueceram daqueles que não podiam voar. E nem por isso deixaram de merecer a gratidão, a admiração dos que tiveram a ventura e o privilégio de alçar vôo nos aviões do 1º Grupo de Caça.

O então tenente coronel aviador Luiz Felipe Perdigão, no seu excelente livro " Missão de Guerra", faz uma colocação sobre o pessoal de terra, que retrata fielmente nossos sentimentos.

"Roncam os motores, rolam devagar, iniciam a decolagem: um, mais outro.. uma esquadrilha, duas, três.. cena se repete dia a fora, deixando angústia indefinível no mecânico, no servente, no pessoal de terra todo. Dir-se-ia que um pedaço deles acompanha os aviões em vôo!

Não podem ver, mas sentem todo o fragor da guerra aérea que ocorre além das montanhas, pelo estilhaço que volta incrustada nos aviões, pelos filmes de combate, pelas conversas e também pelo ardor com que se dedicam aos aviões e pilotos.

Verdadeira auréola de estima e admiração envolve carinhosamente os aviadores são os pequenos reis daquele mundo limitado. De fato existe um pedaço do pessoal de terra a acompanhá-lo sempre, o pedaço de amizade que se caracteriza em apoio irrestrito e constante.

Os homens do solo são como cegos, que encadernam livros, mas não podem lê-lo e o piloto é a criatura feliz que manuseia os volumes em volta, sentem os cegos para escutá-los.

Sim, esta era a dor que mais nos comovia. Cegos porque não víamos e surdos porque não ouvíamos.

Durante as decolagens dos aviões, grandes eram nossas apreensões e responsabilidades. "Depois, a angústia da espera"." Vaga ansiedade persiste no ar, enquanto os aviões estão fora". A cada instante, consultávamos nossos relógios. Alguns, inquietos consumiam cigarros, nervosamente. Estão demorando, que terá acontecido? Já deveriam ter voltado. Olhava-se para o céu e procurava-se buscando ouvir um roncar de motor. De repente, alguém aponta: lá vêm eles, ai começa a contagem, um, dois, três, está faltando um.

Muitas vezes, aquele que faltou, jamais regressaria. Era uma tristeza para todos.

Outra colocação muito elegante, que demonstra grande sensibilidade do autor de "Missão de Guerra", então tenente coronel Luiz Felipe Perdigão, quando rende uma homenagem a todo pessoal de terra, é uma demonstração de gratidão e reconhecimento.

"O 1º Grupo de Caça não foi um punhado de indivíduos excepcionais, mas se orgulha de ter sido uma unidade homogênea, onde o esforço coordenado do conjunto permitiu resultados magníficos". É impossível porém cometer a injustiça de encerrar estas páginas sem render homenagem aos oficiais e praças, cujo trabalho decidido e leal foi o grande sustentáculo do vôo. No quadro geral da unidade, os pilotos são os braços que ferem o inimigo, mas o corpo que sustenta, o cérebro que o dirige estão na mecânica, nos almoxarifados, na sala de informações, no rancho, na secretaria. Menosprezar o valor do esforço anônimo e dedicado desenvolvido no solo, como suporte direto para as ações desenroladas, além dos Apeninos, seria conceber o Grupo como o falso ídolo dos antigos brâmanes, com cabeça de ouro e pés de barro.




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