domingo, 15 de agosto de 2010

STALINGRADO

O FLANCO DE VIDRO DO ARÍETE


O exército de Paulus não combate apenas em Stalingrado. Dobrando-se qual braço protetor, barra o istmo que espera o Volga do Don. Transpõe este ultimo e rodeando o ferrolho de Kletskaia. Dois corpos de exército, 0 8º e o 11º, guardam essa frente defensiva. Além do exército alemão os setores eram mantidos pelos seus aliados Romenos, Italianos e Húngaros. Os três exércitos equivalem-se em fraqueza. A motorização dos três exércitos é bem nula, equipamento, vestuário, transmissores, material óptico etc.. são de última categoria e a artilharia é antiquada.


Três frentes de exércitos cercavam a eminência de Stalingrado. A única saída consistia num contra ataque. As perdas e a dispersão, contudo haviam enfraquecido a Wehrmacht numa extensão difícil de ser concebida. Um intervenção espontânea da 14ª Panzer, à esquerda do Exército de Paulus, conseguiu liberar o 11º corpo alemão, mas o 48º corpo blindado sacudido por ordens contraditórias, turbilhonou a esmo pelo campo de batalha enregelado, submergindo em hordas de fugitivos e chocando-se em toda parte contra forças superiores. Para não ser envolvido, terminou por fugir. Von Hein, que tivera metade dos seus carros blindados inutilizados pelos ratos, foi apontado como responsável pelo desastre e permaneceu encarcerado na prisão militar de Moabit até 1945.


A 20 de novembro, enquanto Vatutim e Rokossovski galopavam a oeste do Don, Eremenko, por sua vez atacava ao sul de Stalingrado. O 4º corpo alemão susteve o choque, mas o 4º exército romeno esboroou-se, como fizera na véspera o 3º. O 51º exército soviético correu em direção a Kalatch, principal passagem do Don, gargalo vital das comunicações de Paulus. Quando a atingiu, no dia 22, a ponte já fora tomadas pelos soldados de Rokossovski. O grupo de D.C.A. que a guardava e a bateria de 155 que lhe dava cobertura estavam tão longe de esperar penetração russa, que tomaram os T 34 que se aproximavam do Don pelos tanques, capturados do inimigo, que a companhia de instrução de Kalatch utilizava. Alguns minutos mais tarde a ponte, intacta encontrava-se em poder dos russos. O 6º exército estava cercado!


O próprio Paulus quase fora aprisionado. Encontrava-se em seu P.C. de Globulinskaia, 15 Km ao norte de Kalatch, na margem ocidental do Don, quando às 14 horas surgiram os russos. O Estado Maior escapou pelo Don enregelado, abandonando o material da companhia de propaganda e utensílios de cozinha. Paulus e seu chefe de estado maior, general Arthur Schmidt, levantaram vôo em dois Fieseler Storch e foram pousar no Q.G. de inverno do exército, em Nijni-Tchirkaia, na confluência de Don e do Tchir, isto é, fora do bolsão demarcado pelo inimigo.


Na antevésperas, Paulus podia considerar uma questão de horas a tomada de Stalingrado, vitória que iria ilustrar seu nome. Na véspera recebera do comandante do grupo de exércitos, General Von Weichs a inesperada ordem de reenviar sua unidades móveis em direção ao Oeste. Pela manhã, procurava compreender o que teria tão repentinamente acontecido ao exército vizinho. Ao meio dia ser ter sido vencido, encontrava-se na ridícula situação de um general separado de seu exército, fugindo antes de qualquer saldado. Ao escapar da armadilha, Paulus acreditou por um momento poder dirigir do exterior as operações de salvamento de seu exército. Um telegrama de Hitler chamou-o a uma concepção draconiana do dever: O Oberbefehlshaber, Generalíssimo do 6º exército voltará a Stalingrado. O exército se organizará em uma frente fechada e esperará novas ordens. A situação era das que pedem reações imediatas, iniciativas ousadas. As primeiras instruções de Hitler ditadas de Berchtesgaden impunham espera e imobilidade.


Pronto para voar para Stalingrado, Paulus vê aparecer um companheiro de Infortúnio, Hoth, comandante do 4º exército Blindado. Ele perdera tudo, tanto suas unidades alemãs, cercadas no bolsão de stalingrado, como as romenas, dispersadas pela estepe calmuque. Os adeuses são rígidos, embora carregados de emoção, entre os dois chefes. Um representa um exército aniquilado, o outro vai juntar-se a um exército condenado. Em seguida, o pequeno avião de Paulus voa baixo, sobre a planície branca, e pousa perto da estação de Gumrak, a 15 km de Stalingrado, onde já funciona o novo P.C. do exército.


Paulus é um exemplar oficial de estado maior, rapidez de análise, facilidade de exposição. A partir das 16 horas, dirige ao O.K.H. um lúcido resumo da situação. O 6º exército cercado, conserva uma cabeça de ponte a oeste do Don, mas tem o flanco sul a descoberto, falta-lhe combustível e só dispõe de víveres para seis dias.


Ainda que a exposição seja clara, as conclusões carecem de firmeza. Paulus Hesita. Trava-se um discussão em Nijni-Tchirkaia. Pôr-se em ferrenha defensiva, como deseja Hitler, implica num abastecimento aéreo até o momento de o cerco ser rompido pela intervenção de um novo exército. O comandante da 4ª Luftflotte, Wolfram Von Richthofen, foi categórico: manutenção, por via aérea de 200.000 a 300.000 homens, empenhados em duros combates, ultrapassa a capacidade da aviações de transporte. O general de D.C.A. Martin Fiebig opinara no mesmo sentido ao dizer a Paulus que só lhe restava uma coisa a fazer. Ritirar seu exército da armadilha, sem perda de uma única hora. Mas o chefe de estado maior Schmidt mantivera parecer oposto. Uma retirada, dissera ele, seria napoleônica, exigindo o abandono de enorme material e 15.000 feridos. Indeciso, Paulus limitara-se a pedir ao Fuhrer liberdade de ação, e licença para abandonar Stalingrado, caso o 6º exército não conseguisse fechar seu flanco sul.


Vinte e quatro horas mais tarde, as idéias de Paulus evoluíram. A situação lhe aparece sob uma luz mais sombria, e a nova mensagem que endereça ao Fuhrer propõe a abertura imediata de uma brecha, ao menos para salvar preciosos combatentes. Acrescenta sob risco de ser acusado de conjuração que os comandantes dos cincos corpos de seu exército, Heitz, Von Seydlitz, Strecker, Hube e Jaennicke, compartilham de sua opinião. Nesse meio tempo, o comandante do grupo de exército, Von Weichs, falara mais energicamente ainda. O abastecimento aéreo de vinte divisões notifica ele a Angerburgo, só poderá satisfazer um décimo das necessidades das mesmas. Cercado, o 6º exército se vê condenado a perder em alguns dias a maor parte de seu valor combativo. Uma tentativa para abrir caminho acarretará a perda de considerável material, porém não há outro meio de evitar um desastre total.


Hitler chega a rastenburgo no dia 23, à uma hora da manhã. Zeitzler, que o esperava devorado de impaciência, é avisado que o Fuhrer se encontrava cansado da viagem e que só daria audiência ao meio dia. Zeitzler protesta, alega urgência, consegue fazer-se recebr e para sua grande surpresa, encontra um homem sereno. Ao trabalhar com Jodl, em seu trem, Hitler encontrara um meio de conjurar a crise de Stalingrado. Chamar do Cáucaso uma, talvez duas divisões blindadas, que reabrissem as comunicações com o 6º exército, a essa altura, já estaria completamente esgotado. Mas quando propõe a abertura imediata de uma brecha, Hitler pergunta-lhe com ar ameaçador se tenciona abandonar Stalingrado. Ao obter resposta afirmativa, bate com o punho na mesa e grita inúmeras vezes: Nunca deixarei o Volga! Nunca Deixarei o Volga!


Durante o dia, as notícias pioram. A cabeça de ponte a oeste do Don é penosamente mantida. Voltando à carga, Zeitzler abala Hitler e às duas horas da manhã telefona a Von Sodenstern, chefe que o Fuhrer concorda em reconsiderar a questão e que dará a conhecer sua decisão às 08 horas. Parece fora de dúvida acrescenta que essa que essa decisão consistirá na ordem de abrir imediatamente passagem para sair. O 6º Exército pode começar seus preparativos. Por uma linha telefônicaque os russos cortarão um minuto após, Sodenstern comunica a notícia ao PC de Gumrak. Esta se espalha pelo bolsão, propiciando a sensação de alívio que conhecem os emparedados ao receberem a primeira lufada de ar puro.


As 10 horas, nenhuma outra comunicação alcança o grupo de exércitos.


Inquieto, Sodenstern telefona para Rastenburgo, nada obtendo além de um impaciente convite a ser paciente. Alguns minutos mais tarde, o rádio de escuta capta uma ordem direta de Hitler a Paulus. O 6º Exército é convidado a organizar-se na seguinte frente: Stalingrado, Norte, cota 137, Marinovka, Zybenko, Stalingrado Sul. Isto desenha no mapa uma espécie de ameba com cerca de sessenta quilômetros de comprimento e quarente de largura. A cabeça de ponte no Don, poterna de evasão, deve ser abandonada. O Fuhrer termina sua mensagem dizendo que o 6º Exército pode contar com ele para um abastecimento satisfatório, assim como para ser tirado do cerco a tempo.


Assim, Hitler não pode resignar-se a abandonar Stalingrado. Quando Zeitzler se apresentou em sua residência, as 8 horas, o Fuhrer trazia nos lábios uma nova expressão: Stalingrado é uma fortaleza. E o 6º Exército é sua guarnição. Uma guarnição não abandona a fortaleza que lhe é confiada. Se for necessário, a guarnição de Stalingrado sustentará o cerco durante todo o inverno e eu a libertarei com minha ofensiva de primavera. Quando Zeitzler tentou demonstrar que Stalingrado nada tinha de fortaleza. Hitler recomeçou a agitar o punho no ar. Nunca deixarei o Volga! Primeira e última palavra a ilustrar a servidão em que o chefe militar é mantido pelo condutor de massas. O estrategista submisso ao demagogo. A 9 de novembro, em Munique, Adolf Hitler pronunciara as seguintes palavras: Aquilo que o soldado alemão guarda, fôrça alguma no mundo poderá arrancar-lhe. Como poderia ele aceitar um desmentido tão rápido?


Zeitzler encolerizou-se e exclamou por sua vez Meu Fuhrer! Seria um crime abandonar o 6º Exército! Isso significaria a morte ou a captura de um quarto de milhão de valentes soldados. E mais ainda! A perda de um grande exército quebraria a coluna vertical da frente oriental.


Ao ouvir a palavra Crime, "Verbrechen – Hitler estremeceu. Mas conteve-se, chamou o SS. De serviço e ordenou que introduzissem no recinto o Marechal Keitel e o General Jodl. Declarou em tom complenetrado que estava na iminência de tomar uma grave decisão, e que não desejaria fazê-lo sem que seus melhores colaboradores lhe dessem a conhecer sua opinião, com a mais completa liberdade:


"Feldmarschall Keitel ?"


"Meu Fuhrer, não abandone Stalingrado!"


Keitel falou num tom de quem dita posição de sentido com inflexões teatrais, os olhos flamejantes. Jodl, ao contrário, pensou os prós e os contras, mas acabou por concluir que, ao menos até nova ordem, era preciso permanecer em Stalingrado.


Interrogado por sua vez, Zeitzler manteve sua conclusão: abertura imediata de uma brecha, e retirada. Hitler ouviu-o calmamente, e depois retrucou, com polidez glacial: " O senhor está vendo, general, que não sou o único a defender minha opinião. Ela é compartilhada por dois oficiais, ambos mais graduados e mais experientes que o senhor. Atenha-se pois `a decisão que tomei. Ordeno que se defenda a fortaleza de Stalingrado."


Uma questão, todavia, condiciona tudo: a possibilidade de abastecer o 6º exército por meio de uma "ponte aérea". Fizera-se isso no inverno precedente, pelo bolsão de Demiank, mas este continha menos de 100.000 homens, e a fortaleza de Stalingrado abriga o triplo disso.


Interrogado, o 6º exército informou que, para satisfazer omínimo de suas necessidades, precisaria por dia 750 toneladas de munições, combustível, ferragem, víveres. Interrogado, o chefe da aviação de transporte respondera que 350 toneladas representavam o máximo de suas possibilidades. Segundo a tradição militar, considerara-se a primeira cifra uma superestimação sistemática, e a segunda uma subestimação prudente. Georing, o eterno ausente, encontrava-se em Paris, que decididamente, ele considerava uma estância mais refinada que Rastenburgo. Consultado pelo telefone, declarou que a verdade estava na medida áurea. Sua Luftwaffe disporia de meios para depositar 500 toneladas por dia na fortaleza de Stalingrado. Poderia assim responder pelas necessidades primordiais do 6º exército. Seu chefe de estado maior, Jeschonnek, veio assegurar isso a Hitler, omitindo uma comunicação de Von Richtofen, em que este pedia que fosse levada ao conhecimento de Hitler sua opinião sobre a impossibilidade da "ponte aérea".


Para os sitiados, a decisão de Hitler fora um golpe terrível. A palavra "fortaleza" poderia iludir um público ignorante, mas a "guarnição" sabia o que tinha pela frente. Stalingrado encontrava-se inteiramente em ruínas. As poucas localidades do perímetro cercado haviam sido queimadas até o chão. A estepe achava-se rigorosamente nua. Na frente norte, alguns trabalhos para organizar o terreno haviam sido executados durante o verão, mas as frentes oeste e sul não tinham uma só vala a demarcá-las. Não era mais possível cavar o solo enregalado. Não havia madeira alguma para a construção de abrigos. Os soldados teriam apenas a lona de suas tendas como proteção contra o fogo inimigo e as tempestades de neve, de 40º C para baixo. A primeira reação dos generais é de revolta. O comandante do 4º corpo, Jaennicke, exclama, dirigindo-se a Paulus: "Reichenau não obedeceria!" Paulus abaixa a cabeça: "Não sou Reichenau". E abafa os protestos de seus subordinados como argumento incontestável de que a um soldado só compete obedecer.


Um único general não se resigna: Von Seydlitz Kurbach, comandante do 51º Corpo. Estava tão plenamente convencido de que iria romper as linhas inimigas, que fizera evacuar seus postos avançados e destruíra todos os itens supérfluos e intransportáveis, inclusive suas calças e capote sobresselentes. Ele escreve uma nota para Paulus exigindo que este a transmita aos escalões superiores. Ainda que 500 aviões transportassem 1.000 toneladas por dia, sustenta ele, as necessidades do 6º exército não seriam atendidas. Urge aproveitar o breve instante em que o inimigo ainda se encontra fraco ao sudoeste de Stalingrado, para romper através de suas linhas em direção a Kotelnikovo. "Se o O.K.H. mantém a ordem de risistir in loco, o dever de consciência para com o exército e o povo alemão exige imperiosamente que o senhor tome nas mãos a iniciativa de evitar uma grande catástrofe, o aniquilamento de 200.000 combatentes e a perda de seu material. Não há escolha possível!".


O nome Seydlitz figura entre os mais altos expoentes da história militar da Prússia. O Seydlitz da guerra de sete anos, amigo íntimo do grande Frederico, é considerado como um dos melhores generais de cavalaria de todos os tempos. As linhas citadas acima, o mais ousado desafio que um oficial fez chegar a Hitler, constituem ao mesmo tempo uma sentença de morte. Seydlitz fica a espera de que um avião venha buscá-lo, para jogá-lo diante de um poste de execução. Von Weichs, porém, intercepta o memorando, e o que chega a Seydlitz é apenas a ordem de sumir o comando de toda frente norte do bolsão. "Que pretende fazer o senhor"? – pergunta Paulus, "Já que o senhor não desobedece – diz ele – só me resta obedecer".


A ponte aérea começa a funcionar. Uma centena de trimotores Junker decola dos aeródromos de Tazinskaia e Morosovskaia, no ferrolho de Don e, após percorrerem 200 km, pousam em Pitonik ou em Gumrak. Retornam carregados de feridos. As perdas ocasionadas pelo inimigo não são a princípio, muito elevadas, porém as que resultam das más condições atmosféricas e de desgastes do material revelam-se desde logo extremamente pesadas. O rendimento cotidiano começa com cerca de 50 toneladas e só lentamente atinge uma centena. A Luftwaffe pede que os sitiados tenham paciência, dizendo ser-lhe necessário algum tempo para organizar-se.


Arrolam-se no bolsão o 4º, o 8º, o 11º e o 51º Corpos do exército, e o 14º Corpo Blindado; as divisões de infantaria nº 44, 71, 76, 79, 94, 100, 113, 295, 297, 305, 371, 376, 384, 389; as divisões motorizadas nº 3, 29 e 60; as divisões blindadas nº 14, 16 e 24; o 8º Corpo de D.C.A.; os regimentos de canhões de bombardeio 243 e 245; 12 batalhões de engenharia militar; e mais 149 formações independentes, que vão da artilharia pesada ao correio militar; e finalmente, duas divisões romenas e um regimento croata. Um grande possante e denodado exército.

Nenhum comentário:

Postar um comentário